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Memórias sobre dois encontros com Ricci no Festival de Dartigton de 1997 e 1999.
Pode um vinho velho ser tão bom quanto um novo? Assim também com os violinos. Mas um violino novo deve ser bastante tocável de imediato: afinal, não temos a vida toda para esperar que o som melhore...
Sabe, é interessante comprar instrumentos quebrados e pedir alguém para reconstruí-los. Um bom reparo mantém bastante as características originais. Por exemplo, meu Peccatte é bastante bom, apesar de ter sido colado! Além disso, é claro que não vou sair por aí dizendo que eu toco num arco quebrado! (broken bow!)
Você não deve escutar com os dois ouvidos: apenas com um! O outro pode até tirar sua atenção.
Sempre me perguntam qual o regente/pianista que melhor acompanha. Respondo que não adianta dizer, pois ninguém irá conhecer! Os melhores não são os mais famosos, são muitas vezes os mais desconhecidos!
Em mais de 70 anos de carreira, até hoje não sei como segurar o violino! Todo dia acordo com uma nova idéia, mas nada definitivo. "I've got a new idea!"
Não adianta perguntar se o violino é bom ou não. Você é que tem que gostar do instrumento.
Ninguém mais se preocupa em cumprimentar as pessoas. Quando alguém pergunta "Como está você?" e eu falo "Péssimo, com uma grande dor de cabeça", a resposta é "Que bom! Eu também estou ótimo!".
Bach, Paganini e Ysaye cobrem a maioria dos problemas violinísticos. Paganini é para os dedos; Bach para o cérebro.
A coisa mais arriscada na minha carreira foi ter me casado 3 vezes...
Heifetz foi notável por causa da afinação. 90% do esforço do violinista é para afinar as notas.
Um bom arco deve servir para tudo.
Estudar forte e com vibrato. Forte para poder escutar a nota e afinar! Vibrato serve não somente para embelezar, mas para evitar tendinite, que é justamente causado pela rigidez do músculo. Para ouvir o violino, escutar com um ouvido apenas; o outro pode até atrapalhar...
Estudo de quintas duplas: apoiar no dedo e soltar todos os outros (isso permite o vibrato). Certificar-se de usar a polpa dos dedos.
O estudo da escala com o glissando de um dedo é o que permite o rápido conhecimento do instrumento. Todos os violinos são diferentes, e o violinista tem que saber se adaptar, inclusive quando tiver que tocar viola. Somente com o glissando é que se reconhece as distâncias. "Dê-me um cello e poderei tocá-lo"!
Uma escala feita em glissando de um dedo é meio caminho para uma escala de terças; meio caminho para uma escala de oitavas; meio caminho para uma escala de décimas! Isso é tudo! Só isso. Simples.
Estudar coisas "não agradáveis" para ser consciente.
Todo violinista precisa de 3 coisas: um espelho, um metrônomo e um gravador.
Diante da minha indagação sobre o futuro da música, o que nos aguarda, qual o rumo a seguir pelos compositores. "As únicas emoções novas introduzidas com a linguagem contemporânea são o medo e o desespero. Mas isso é um reflexo da sociedade."
Você pode ter sua opinião, mas tem que saber escutar os outros. - quando a alemã decidiu não seguir o conselho do mestre.
Talvez Ricci devesse fazer uma prova para tocar em orquestra! - sobre os comentários de que o salário do spalla é maior que o do Ricci!
Overplaying => histérico. Atualmente é tão raro encontrar alguém num concurso que toque violino normalmente! Um bom intérprete tem que ser sangue-frio.
"Quantos arcos você já quebrou nos últimos 2 anos?" Veja, este arco é de plástico, inquebrável! É um arco extremamente barato, bom não somente para servir de metrônomo nas aulas, como também para bater no maestro ruim (hit the conductor!). E a grande vantagem é que se você toca bem nele, consegue tocar em qualquer outro arco!
Para o primeiro e quase único ensaio da Serenata Noturna de Mozart, reunimos todos os alunos de Ricci e mais alguns voluntários para formar uma orquestra logo após a masterclass. Naquele dia a masterclass teve uma assistência volumosa, e muitos curiosos ficaram por ali para escutar as sábias palavras do mestre. Não há problema em ter audiência em ensaios, desde que o trabalho não seja perturbado. Mas um senhor, sentindo-se incomodado com o rumo da interpretação, interrompeu Ricci e falou que o tempo da marcha deveria ser bem mais rápido do que estávasmo fazendo. Claro que se instalou um clima estranho: "quem é esse picareta que ousa nos ensinar a tocar Mozart?", mas todos ficaram pensativos, receosos em ignorar rudemente aquele sujeito. Dois dias depois, após o concerto do Ricci, Daniel lembrou: "Sabem aquele sujeito que deu o palpite sobre Mozart? Não era ele o correpetidor do Ricci?!!"